Maior arquivo audiovisual da América Latina, o Cinemateca Brasileira, em São Paulo, reabre ao público nesta sexta-feira, 13, depois de quase um ano e meio fechado e praticamente abandonado pelo governo federal. A reabertura será marcada por uma exposição dedicada a José Mojica Marins, conhecido por Zé do Caixão, com a exibição da média-metragem inédita. A praga (1980). O filme foi restaurado pelo produtor Eugenio Puppo, que o encontrou no escritório do cineasta em 2007, quando ele organizava uma retrospectiva.
A ressurreição da Cinemateca começou no dia 18 de novembro do ano passado, quando a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) assumiu a gestão dos equipamentos culturais em caráter emergencial. Após um ano e três meses, a organização social encontrou sua sede, na Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo, em estado de semi-abandono. A manutenção das instalações estava relativamente em dia, assim como a segurança do edifício. Mas a coleção de filmes e os equipamentos digitais usados para restaurar os filmes foram negligenciados.
Segundo Maria Dora Mourão, diretora da instituição, os equipamentos digitais estavam em frio intenso e o ar condensado dentro deles, criando problemas para que voltassem a funcionar. A coleção, que é dividida entre filmes de acetato de celulose e nitrato, não foi manuseada regularmente como recomendado. Usados até a década de 1920, os rolos de nitrato, material muito inflamável, são guardados em galpão isolado. “Era nosso grande medo, que pegasse fogo”, disse ela, em entrevista à VEJA, na sede da Cinemateca.
Um levantamento ainda em fase de conclusão mostrou que, dos 1.800 rolos de nitrato do acervo da Cinemateca, 1.521 podem ser considerados “saudáveis” – 84% do total. No galpão onde estão guardados, no fundo do terreno onde ficava o antigo Matadouro Municipal de São Paulo, o último cômodo era reservado para os rolos com problemas. Ao entrar no ambiente, além da baixa temperatura (cerca de 10°C), chama a atenção o cheiro adocicado resultante da liberação de gases devido à deterioração do material.

O maior prédio da região, chamado G4, abriga todas as matrizes cinematográficas depositadas na Cinemateca, que ficam localizadas na chamada “grande geladeira”. “Ninguém se mudou para lá”, disse Dora Mourão. “Felizmente, eles mantiveram o clima relativamente adequado.” Na mesma área, onde está localizado o laboratório, a revisão de materiais e cópias, foi constatado um grave problema de vazamento no telhado. A Secretaria do Audiovisual tentou consertá-lo, contratando uma empresa por meio de licitação pública. O telhado continuou com o problema.
O prédio da Cinemateca na Vila Leopoldina, que sofreu uma enchente em 2020 e um incêndio no ano passado, teve o que restava de seu acervo transferido para a sede da Vila Mariana. Todo o material, composto em grande parte por cópias de filmes e documentos, é acondicionado em quatro contêineres. “A primeira intenção é fechar e entregar”, disse o diretor. “Porque o investimento é muito grande. Primeiro, precisamos sair daqui (a sede) em ordem.”

Ao assumir a gestão da Cinemateca Brasileira em caráter emergencial, o SAC teve um patrocínio direto de 680 mil reais do Instituto Cultural Vale. Com o valor, que foi dividido em duas parcelas, foi possível recontratar os técnicos que trabalhavam lá antes do fechamento. A interrupção das atividades em 2019 foi causada pelo descumprimento do contrato do governo federal com a ex-gestora, a organização social Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp).
O SAC também ganhou o edital federal para a gestão da Cinemateca e assinou um contrato de cinco anos com o governo no final de dezembro do ano passado. A organização social receberá 14 milhões de reais por ano para administrar os equipamentos e usará a Lei Rouanet, oficialmente Lei Federal de Incentivo à Cultura, para captar 40% do valor total. Neste primeiro ano de contrato, devido à situação emergencial e de cobrança, foram destinados mais 7 milhões de reais, além da parcela anual.
Entre os projetos mais urgentes, diz Dora Mourão, estão a recuperação e manutenção do acervo de filmes de nitrato de celulose. O custo será de 10 milhões de reais, que devem ser arrecadados por meio da Lei Rouanet e por patrocinadores interessados, incluindo o Instituto Cultural Vale. Há também a ideia de reformar o G4 e construir um novo andar. “Isso nos serviria por muito tempo”, diz o gerente. “Não substituiria o espaço da Vila Leopoldina, mas nos serviria por um tempo. Não sabemos o que acontecerá no próximo ano, mas precisamos ter uma direção.”
Com a reabertura da Cinemateca ao público, os eventos também estão sendo retomados. Além da exposição dedicada a Zé do Caixão, está prevista a Semana ABC, promovida pelo sindicato dos técnicos cinematográficos, no final de maio. E Dora Mourão pretende reativar as salas de cinema, uma delas a ser programada, aos finais de semana, em parceria com salas comerciais. “Queremos que a Cinemateca seja vista e comentada”, acrescentou.